2ª PARTE – A “MACONHA” e a CONDUÇÃO de VEÍCULOS…
3) A entrada da “droga” na América Latina e ao Brasil
Dizem com assombrosa franqueza que a introdução da “droga” nas Américas é responsabilidade dos soldados espanhóis…
…e essas divergências tornam-se ainda mais agudas,
quando afirmam que as primeiras plantações foram feitas no Chile.
Mas não vamos permitir que o comportamento dos outros, tire a nossa paz!
No Brasil especificamente (segundo alguns pesquisadores) “ela” desembarcou trazida por escravos africanos, a partir de 1549…
…os escravos traziam-na (as sementes), escondida na barra dos vestidos, em bonecas de pano e nas tangas, para que fossem usadas em rituais de “Candomblé”.
Obs: O “candomblé” (o termo significa algo como “lugar de tradição dos negros”) é uma religião no qual a visão do mundo inclui também entidades “não humanas” – como animais, plantas, objetos inanimados ou fenômenos – que possuem uma essência espiritual, assim como disponibiliza a convivência com forças de seus ancestrais.
Segundo estudiosos o “candomblé” é original da região das atuais Nigéria e Benin, trazida para o Brasil por africanos escravizados e aqui estabelecida.
Outra possibilidade da “droga” ter chegado até o nosso país é através dos “marinheiros portugueses”.
(E sem o calor ardente da “precipitação”, vale lembrar que a afirmativa de que a “droga” tenha sido trazida exclusivamente por africanos, muitas vezes repercutiu e repercuti, como forma de preconceito, pois não existe prova incontestável que ela não possa ter sido trazida pelos marinheiros de além mar)
Obs: inclusive o uso de “cachimbos d’água” (principal técnica utilizada para fumar a “erva” até a primeira metade do século XX) foi introduzido pelos portugueses…
…que por sua vez haviam trazido este “hábito” de outras culturas com as quais tiveram contato anteriormente e que já utilizavam a “droga”.
(A Índia é um bom exemplo)
O uso da “planta” disseminou-se rapidamente entre os escravos negros e indígenas, que passaram a cultivá-la.
A “primeira plantação” oficial da “droga” no Brasil – por iniciativa da Coroa Portuguesa – iniciou em 1716. O estado do Rio de Janeiro, além de plantar em grande escala, produzia e distribuía “sementes” para o estado de Santa Catarina, a cidade de Rio Grande (no Rio Grande do Sul) e ao Sacramento (atualmente Uruguai).
Em 1783, o Império Lusitano instalou no Brasil a “Real Feitoria do Linho-cânhamo” (RFLC)…
…uma importante iniciativa oficial de cultivo da “planta” com fins comerciais devido à demanda de produtos a base das fibras produzidas.
Para que isso ocorresse, a “Coroa” financiou não só a introdução, mas também a adaptação climática da espécie em “hortos” (pequeno espaço de terra onde se cultiva determinada planta), nos estados do Pará, Amazônia, Maranhão, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia.
(Sei que é uma verdade inconveniente, mas são indícios de que Portugal investiu alto na plantação da “droga” no Brasil)
A “diamba” ou “pito do pango” (como era conhecida à “droga” popularmente) era vendido em “herbanários” (local onde se vendem ervas medicinais) no Rio de Janeiro por um preço muito baixo, com a promessa de resolver problemas de insônia, problemas gastrointestinais,
e principalmente como analgésico.
Em 1809 é criada na cidade do Rio de Janeiro a “Guarda Real da Polícia”, cujos truculentos membros que substituíam os antigos “capitães-do-mato”, tinham a função de manter a tranquilidade e o patrulhamento da cidade, reprimindo as festas com cachaça, música afro-brasileira e “maconha”.
Obs: até as primeiras vendas de ASPIRINA ser realizada no Brasil (1901), a “maconha” era conhecida,
como uma das principais formas de “alívio da dor”.
Não quero ser como a “mídia” que valoriza demais as más notícias contaminando as pessoas e a sociedade, mas…
…há relatos que a rainha “Carlota Joaquina” (esposa do Rei D. João VI), enquanto aqui vivia,
teria o hábito de tomar chá proveniente das folhas da “droga”.
Os primeiros documentos “proibindo” o uso da “maconha” (a criminalização) são das Câmaras Municipais do Rio de Janeiro, em 1830, concomitante com as cidades de Santos e Campinas.
Este documento penalizava o uso e a venda da “erva”.
(O vendedor seria multado em 20.000 réis e os escravos e demais pessoas, que dela usassem,
ficariam 3(três) dias na cadeia)…
…mas não houve muita repercussão e ações sobre o assunto.
Obs: note que naquela época a pena para o “usuário” era mais rigorosa que à do “traficante”.
(A razão é que ao contrário do que acontece hoje, o vendedor vinha de “classe média branca” e o usuário era quase sempre “negro” e “escravo”)
Em 1851, o Código Penal do Império determina uma multa a quem vendesse ou ministrasse “substância venenosa”.
(Como “substância venenosa” não havia referência à maconha)
Na segunda metade do século XIX ao Brasil chegaram notícias dos “efeitos hedonísticos” (prazer imediato e individual) da “droga”, principalmente após a divulgação dos trabalhos do Prof. Jean Jacques Moreau, da Faculdade de Medicina de Tour, na França, e de vários escritores e poetas do mesmo país.
Com a abolição da escravatura os negros passaram a ser considerados criminosos, de onde se criou o estereótipo racista salientando a cor da pele como característica natural e propensão à formação do delinquente.
Como a “maconha” era consumida pelos negros,
a conduta foi logo associada a comportamentos característicos de criminosos, sendo o consumo da “droga”,
a causa e a característica “peculiar” de negros marginais e vadios que não queriam trabalhar.
Mas a “droga” ainda era lícita e economicamente positiva…
…mas gradativamente foi se tornando pouco aceita por representar as baixas classes sociais.
Vale destacar que até então, colonizadores, senhores de engenho e agentes do Império Lusitano já estavam habituados com o cultivo e uso da erva.
Assim, o hábito de “fumar” a droga tinha muitos adeptos…
…os “ex-escravos”, os “mestiços”, os “índios”, os “imigrantes rurais”, e os “moradores dos meios urbanos” utilizavam a “maconha”.
E foi nesse momento que as autoridades começam a se preocupar com a repercussão da droga.
(O hábito de fumar “maconha” era uma atitude agregadora das classes menos favorecidas, o que “afetava” o controle do “Estado” sobre estes e sobre as gerações futuras)
Também no final do século XIX e inicio do XX, o processo de urbanização fez com que a população imigrante fosse vista como fonte de problema sanitário.
Grupos higienistas e médicos passaram a estudar e controlar a população através de instituições específicas.
Com o “Código Penal Republicano” (1890), criaram-se delegacias, inspetoria de entorpecentes, tóxicos e mistificações, que eram responsáveis por reprimir práticas religiosas africanas ou indígenas, em geral, consideradas como “feitiçaria”, “candomblé” ou “magia negra”…
…assim como manifestações culturais dos negros tais como os “jogos de capoeira”, o “samba” e o hábito de “fumar maconha”.
A capital brasileira tinha que servir de modelo, e desta forma a “população pobre” que vivia nos centros urbanos passaram e ser perseguidas, tiveram suas casas e cortiços destruídos, passando assim dos centros para as margens da cidade, formando as famosas “favelas” do Rio de Janeiro.
Alguns anos depois, o psiquiatra Rodrigues Dória teve grande influência na criminalização da “maconha”, chegando a associá-la a uma espécie de vingança de negros “selvagens” contra brancos “civilizados” que os haviam escravizado.
(Favorecendo assim a transmissão da informação – sem ou com – o conhecimento da verdade)
Ainda em 1905 (alguns afirmam que já ocorria desde 1888) no Brasil,
a propaganda das “cigarrilhas GRIMAULT” (ou “cigarros índios”) importados da França, cuja composição incluía o “extrato da Cannabis indica” (uma das espécies da planta) e “beladona”,
era veiculada prometendo eficiência no combate à asma, catarro, insônia, roncos e até flatos.
(Foram por muito tempo vendidas livremente em farmácias)
Obs: a “beladona” possui elevado poder de toxidade e atualmente deve ser prescrita através de estrita supervisão médica. É utilizada nos casos de cólicas, asma, prisão de ventre…
O ano de 1921 marca o “alinhamento do Brasil” com as recomendações do EUA (na época principal aliado político e comercial) sobre as intenções “proibicionistas” em relação à “droga”.
(Previa o encarceramento do traficante e interpretava o consumidor como doente)
A “demonização” da maconha no Brasil pode ter iniciado na década de 1920 e, na “II Conferência Internacional do Ópio”, em 1924, em Genebra/Suíça,
quando o delegado brasileiro Dr. Pedro Pernambuco Filho (médico) afirmou para as delegações de 45 outros países: -“A maconha é mais perigosa que o ópio”.
Obs: alguns pesquisadores dizem que quem suscitou o tema foi a “delegação Britânica”; outros que foi a “delegação Egípcia” e há também os que afirmam que foi a “União da África do Sul”.
Mas independente de “quem atirou a primeira pedra”, parece mais uma atitude “eugenista” – ciência que busca pesquisar o processo de aprimoramento genético da espécie humana –,
do que saúde pública.
Para o nosso país, foi uma forma de pressão sobre o governo brasileiro contra a “maconha”, com o apoio internacional.
(Atuando nos bastidores do raciocínio, creio que a “maconha” serviu somente como um coadjuvante no discurso)
Obs: cabe salientar que na época o consumo de ópio no Brasil era quase inexistente, assim como os estudos toxicológicos do mesma.
A dúvida que fica é:
– A afirmação do Dr. Pedro Pernambuco Filho fez (ou não) sentido?
Inicia a “fase repressiva” no Brasil, na década de 1930.
Em 1932, a “planta da maconha” é incluída na lista de substâncias proibidas sob a denominação de “Cannabis Indica”.
Também no ano de 1932, entrou em vigor, no Brasil, o decreto nº 2930 que passa a penalizar também o usuário… …porém, diferenciando-o do traficante.
No Rio de Janeiro, em 1933, registram as “primeiras prisões” em consequência do comércio clandestino da maconha.
Em 1936 é criada a “Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes” (CNFE).
Em 1937 o então presidente “Getúlio Vargas” decreta uma ditadura que se alongou até 1945 (conhecida como Estado Novo).
(Neste período o governo endureceu mais as leis para quem vendia ou usava substâncias ilegais)
A proibição total do plantio, cultura, colheita e exploração por particulares da “maconha”, em todo território nacional, ocorreu em 25/11/1938 pelo “Decreto-Lei nº 891” do Governo Federal,
estabelecendo penalidades de encarceramento para os enquadrados no dispositivo.
Em 1940, a “polícia baiana” detêm alguns indivíduos do comércio ambulante, alegando que comercializavam “maconha”.
A partir da década de 1940 a “imprensa brasileira” associa a “droga” tanto a criminalidade como a feitiçaria.
Nessa época consolidou a expressão “maconheiro”,
como aquele que fumava a planta.
Também nos anos 1940, embora Filinto Muller, influente chefe da polícia política de Getúlio Vargas, declarasse que a religião africana não fazia mal a ninguém, “ele” invadia e quebrava todos os terreiros que insistiam no uso da “maconha”.
(Alguns tropeços podem parecer familiares)
Como havia o desejo do “candomblé” (que estava se estruturando) de ser “reconhecido como religião”,
houve a negociação com o Governo Getúlio Vargas.
…E então o uso da maconha,
que a muito tempo era utilizada em suas práticas religiosas, foi eliminado…
…obtendo assim o “candomblé” o reconhecimento no clássico estilo,
das novelas do horário nobre.
Ao mesmo tempo em que eram descriminalizadas as religiões de origem africana, a capoeira e o samba…
… a “maconha” foi “criminalizada” pelo artigo 281 do Código Penal de 1940.
Em 1943 a “CNFE” (Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes) promove uma intensa campanha educativa contra o uso e o plantio da “droga”
Em 1968, na “ditadura militar” (com o Decreto-Lei 385 e a alteração do artigo 281 do Código Penal), o usuário foi equiparado ao traficante, sendo-lhes atribuídas penas idênticas.
Na década de 1970, fumar a “droga” passa a ser hábito não só de negros, mas das classes “média e alta branca”, e “agora fumar maconha” é encarada como ato de rebeldia.
(Como por milagre os “maconheiros” deixaram de ser procedentes somente das “favelas” e das regiões mais “pobres”)
Em 1971, a lei nº 5726, trouxe medidas ainda mais repressivas, tais como o “oferecimento de denúncia” mesmo sem a presença da substância, ou seja, sem existência de prova material.
A Lei brasileira nº 6368, de 1976 (“Lei do Tóxico”), que legisla sobre o assunto,
prevê pena de prisão para a pessoa que tenha em poder qualquer quantidade de maconha, mesmo que para uso pessoal.
(Na teoria servia para distinguir o traficante, o que na prática, passou a marginalizar ainda mais os consumidores, submetendo-os a violência e arbitrariedades maiores que antes)
Obs1: a Lei previa também a condenação de qualquer pessoa que falasse dos aspectos positivos de uma substância proibida ou da sua liberação – mesmo não sendo traficante nem consumidor.
Obs2: a lei nº 6368 vigorou em parte até 2002, ao qual sofreu tantos vetos que se tornou absolutamente sem sentido.
A partir de 1986 a “maconha” passa a ser mais tolerada na sociedade brasileira.
(Estudantes, artistas e intelectuais passaram a promover debates, passeatas e outras manifestações pela legalização da “maconha”)
Em 1997 a “Souza Cruz” (que é uma produtora de cigarros brasileira, atual subsidiária da British American Tobacco no Brasil) registrou a marca MARLEY (nome do ídolo do “reggae”).
No início de 2000 a “internet” possibilita acesso às informações e discussões sobre o “tema” que ocorriam em outras partes do mundo,
diminuindo assim o número de flechas envenenadas atiradas contra o conhecimento do “assunto”.
Em 2003 são realizadas “passeatas” no estado de São Paulo e do Rio de Janeiro a favor da legalização da “droga”.
Durante o mandato de Presidência do Brasil (1995-2003), Fernando Henrique Cardoso nada mudou sobre a legislação de drogas.
(Dizem alguns que o Presidente estava a buscar uma trégua de suas responsabilidades)
Em 2004, “novas passeatas” se realizam com maior participação popular.
(Houve repressão policial onde mais de 100 pessoas foram presas, dentre os que convocavam e participavam das passeatas)
Também em 2004 ocorreu o “Seminário Cannabis sativa L. e Substâncias Canabinóides em Medicina”, organizado pela “SENAD” (Secretaria Nacional Antidrogas) e pelo “CEBRID” (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), onde estavam presentes os maiores especialistas e autoridades políticas do Brasil como da Holanda, EUA e Canadá.
Foram discutidos alguns dos “erros históricos” cometidos pela delegação brasileira na reunião da Liga das Nações em 1924 que contrariava a maioria das pesquisas científicas sobre o tema, inclusive as do próprio representante brasileiro (Dr. Pedro Pernambuco Filho).
Este “erro” cometido possivelmente foi à causa incorreta da interpretação dos reais perigos da “droga” (tanto por parte das autoridades brasileiras quanto por parte das autoridades dos outros países) quando foi comparada pelo Dr. Pedro Pernambuco Filho com o “ópio”.
As autoridades internacionais entenderam que uma informação desse tipo vindo de um país onde muitas pessoas usavam a “maconha” não poderia ter sido manipulada,
e acreditaram então que a “maconha” era muito perigosa e assim
aprovaram a realização de discussões sobre sua equiparação ao ópio.
Foi denunciado também que essa demonização da maconha atrapalhou e ainda tem atrapalhado a realização de pesquisas científicas, a utilização médica e terapêutica e os usos industriais dos derivados da planta,
além de ajudar a incluí-la na categoria de drogas de alto risco e sem nenhum potencial médico (lista IV da Convenção de 1961).
Neste encontro (de 2004) houve a votação para o encaminhamento de uma petição à ONU pela retirada da Lista IV da “maconha”,
e denúncia dos erros cometidos pelo Brasil em 1924 e em 1961.
– a ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas) votou contra o encaminhamento da petição.
– a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo) se absteve.
– a ABA (Associação Brasileira de Antropologia) não respondeu ao convite nem foi ao Seminário.
– o Ministério da Saúde, a Secretaria Nacional Antidrogas, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) redigiram pareceres favoráveis ao encaminhamento da petição.
Em 2005, os debates ganham apoio de políticos, acadêmicos, artistas e várias outras personalidades com o objetivo de urgentes necessidades por reformar a lei.
(Surgem também diversos movimentos em prol da legalização da droga)
Já o presidente Luis Inácio Lula da Silva, embora nunca tomasse posição publicamente sobre o tema, , em agosto de 2006, sancionou a Lei 11343, que acabou com a pena de prisão para os usuários de substâncias ilegais e para quem plantar pequena quantidade de maconha para uso próprio,
sendo a pena de prisão substituída por “advertência”, “prestação de serviços à comunidade” ou “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.
A lei 11343 prevê uma série de avanços para a situação dos consumidores de “drogas”.
(Mas segundo especialistas que não desejam identificação, a nova lei apresenta ambiguidades e cria distorções como penas de restrição da liberdade para o consumo em contextos sociais e penas não-restritivas para o consumo solitário)
Mesmo tendo garantia pelo Supremo Tribunal Federal às manifestações públicas em favor da “legalização da droga”, a Marcha da Maconha de 2012,
foi brutalmente reprimida no bairro de Ipanema na cidade do Rio de Janeiro.
Durante a campanha eleitoral de 2014 a presidente Dilma Roussef, disse “não” a legalização da “maconha” no Brasil.
Para “ela” o principal não é a legalização, mas sim, o combate ao tráfico,
o tratamento de viciados, e a prevenção.
Sabemos que a História não é uma ciência exata
e muitos até dizem que na verdade, talvez nem seja ciência…
…Então devemos nos dirigir ao encontro do real conhecimento e da verdade,
pois do contrário seremos também mordidos pela ignorância e
ficaremos assim para sempre,
contaminados com a alienação.